“VAMOS CONTINUAR A TRABALHAR E A TRAÇAR O NOSSO CAMINHO COMO FIZEMOS ATÉ AQUI”
Santiago Anolles é o chefe do restaurante Horta, que viu o seu restaurante ser reconhecido pelo Guia Michelin, após menos de um ano de abertura. Um autodidata na cozinha, o restaurante Horta é o primeiro projeto em que o chefe Santiago lidera a cozinha e assume que o projeto tem sido um sucesso.
Fique a conhecer mais do chefe Santiago nesta entrevista.
Como surgiu a paixão pela cozinha?
Sempre fui apaixonado pela cozinha, desde pequeno! Na minha casa sempre se cozinhou muito, fazíamos sempre a comida em casa. Tanto o meu pai como a minha mãe cozinham muito bem e eu sempre os ajudei a cozinhar, desde que era criança. Além disso, quando descobri que era celíaco não havia nada sem glúten, era algo muito pouco explorado, sobretudo no Uruguai, por isso, toda a comida era feita em casa. Os meus pais acabaram por adaptar a dieta celíaca para todos, não era apenas eu. Na nossa casa todos comiam o mesmo e, por isso, cozinhávamos muito em casa, não havia nada que pudesse ser comprado.
Acha que ser celíaco é um entrave para si enquanto chefe de cozinha?
Sim, há algumas limitações, mas o aspeto positivo é que fui diagnosticado com 4 anos. Não tive um processo de transição de ter passado toda a minha vida a comer algo que depois deixei de poder comer. Sempre estive acostumado a isto, mas também acabo por ter a sorte de ter alguma tolerância. Consigo provar algumas coisas, evito comer, tenho cuidado, mas provar consigo!
É também por isto que o menu do Horta tem muito poucos pratos com glúten. Tento fazer mais pratos sem glúten, sobretudo por, ainda atualmente, haver pouca oferta.
No menu, por exemplo, apenas temos uma sobremesa com glúten, nos pratos principais apenas um tem glúten, todos os outros são glúten free.
Conte-nos um pouco sobre o seu percurso profissional.
Eu saí do Uruguai com 19 anos e fui viver para o Brasil onde não trabalhei como cozinheiro. Não estudei cozinha, por isso, comecei a cozinhar apenas em 2018 quando me mudei para Espanha. Sempre gostei de cozinha, mas como não tinha estudado não comecei logo nesta área, foi no dia-a-dia, na luta diária que adquiri os meus conhecimentos e competências.
Comecei o meu percurso num restaurante em Espanha, estive lá um ano e meio e tive muita sorte! O chefe de cozinha era muito bom, toda a equipa era muito boa e todos eles foram-me ajudando. Depois dei um passo maior na minha carreira e mudei para outro restaurante, este já com Bib Gourmand, graças a um contacto que fiz no restaurante anterior e que acabou por me recomendar e levar-me para esse novo desafio.
Após quase três anos, abracei um novo projeto e juntei-me à equipa do El Invernadero com uma estrela Michelin e só depois disso é que cheguei ao Horta.
Juntou-se à equipa PortoBay para abrir o Horta. Como se deu este processo?
Foi muito bom e muito divertido! Vim para o Horta por causa do Chefe Benoît, que me conheceu quando foi almoçar ao restaurante onde estava a trabalhar.
O processo de abrir o restaurante em si foi bastante bom com o Afonso e a Manu (que já não está na equipa). A criação da carta, a escolha da loiça, toda a parte de equipar a cozinha, que para mim era tudo novo, foi mesmo bom e interessante.
Como é o dia-a-dia de um chefe de cozinha?
O nosso dia-a-dia também envolve muita burocracia, que era algo a que também não estava acostumado. Além de todos os pedidos algo que tento sempre fazer é garantir o bem-estar da equipa emocionalmente, que estejam motivados e se sintam à vontade a trabalhar. Isto para mim é muito importante.
Criar pratos novos, pensar em nova loiça, há muita coisa por trás. Encontrar novos fornecedores para conseguirmos produtos novos e diferenciadores. Não é só cozinhar, na verdade eu cozinho menos do que gostaria.
Qual é a melhor parte do seu trabalho?
A liberdade é muito boa! No Horta tenho muita liberdade para fazer provas de pratos, sugestões e é algo que eu também dou à minha equipa e que acho importante – terem liberdade para fazer pratos diferentes e experimentar.
Como tem sido a sua jornada no Horta? Como olha para o futuro do restaurante?
Começámos muito bem, no meu ponto de vista. Desde o começo que sinto que foi um sucesso e vamos continuar a trabalhar da mesma forma daqui em diante, pois foi graças a isso que também tivemos o reconhecimento do Guia Michelin.
O reconhecimento do Guia Michelin foi muito bom, sobretudo em tão pouco tempo. Em apenas 6, 7 meses de abertura do restaurante e agora temos de manter. Continuar na mesma linha que temos tido até aqui e inovar. Fazer coisas diferentes e continuar a evoluir.
Receber a distinção de ser um dos restaurantes recomendados pelo Guia Michelin com menos de um ano de abertura é certamente um grande orgulho. O que significou para si?
Este reconhecimento é para a equipa, não é só para mim, é para todos. Se não fosse a equipa o restaurante não funcionaria. É um reconhecimento mesmo muito bom, foi algo que eu não esperava, sobretudo em tão pouco tempo estarmos recomendados no Guia Michelin. Superou muito as nossas expetativas.
Depois deste reconhecimento, quais são os próximos objetivos e ambições?
Vamos continuar a trabalhar e a traçar o caminho como fizemos até aqui. Se em 6 meses conseguimos este reconhecimento, mantendo o empenho e o bom trabalho iremos continuar certamente a colher frutos.
Queremos que o restaurante continue a funcionar bem e que possa funcionar ainda melhor! Queremos também brincar um pouco mais com sabores diferentes, algo que acho que existe pouco aqui na Madeira, algo que é também difícil de penetrar no mercado local. Vamos tentar fazer coisas um pouco diferentes dentro daquilo que acreditamos que o nosso cliente vai gostar.
Ao longo destes 7 anos de trabalho, houve algum momento que o marcasse particularmente?
Sempre tive sorte e muita liberdade nos vários trabalhos que tive, o que me permitiu fazer coisas diferentes. Fazer pratos que depois entraram no menu, apesar de não ser chefe, nem subchefe, nem nada disso. É uma sensação muito boa e o que me deu mais liberdade para isto foi o restaurante onde estive que tinha o Bib Gourmand. Os três donos eram cozinheiros e trabalhavam diretamente no serviço e era muito bom trabalhar com eles, porque ao estar diretamente com os donos do restaurante e partilhando com eles as ideias e sugestões levou a que me dessem muita liberdade. Foi a primeira vez que eu realmente senti que podia construir um futuro na cozinha, que podia criar pratos. Antes era apenas cozinheiro, seguia receitas. Foi naquele momento que percebi que podia ser mais do que isso. Agradeço realmente muito por isso.
É também graças a isto que eu tento fazer o mesmo com a minha equipa. Eu entendo-os porque já estive do outro lado também e é muito bom quando um cozinheiro de 1ª ou de 2ª fazem um prato que depois fica na carta ou que se venda como sugestão do dia. É, pessoalmente, um sentimento muito bom.
Tem algum conselho que possa partilhar com os seus companheiros de profissão?
Acima de tudo é preciso ter paixão por aquilo que se faz. O trabalho é difícil, são muitas horas de pé, de stress, mas quem tem paixão e gosta daquilo que faz, então tem tudo o que é preciso para dar certo. Na minha opinião, é preciso também ter muita vontade de aprender e ser focado naquilo que está a fazer.
Qual é o seu prato favorito (para comer)?
Uma coisa que eu gosto muito é o assado que se come no meu país, no Uruguai, que é carne grelhada. Como estou longe de casa, sempre que vou lá fico as duas semanas a comer carne todos os dias. Acima de tudo porque esta comida tem vinculada uma reunião, a junção da família. Faz-se sempre quando a família e os amigos se reúnem. Não é só a carne, é a nostalgia. Mais do que pela carne em si é pelo momento.
E qual o prato que mais gosta de fazer?
Gosto muito de cozinhar (e comer também) comida tailandesa. Eu sou muito fã de experimentar lugares novos e provar pratos. Para mim é muito difícil eu ir muitas vezes ao mesmo sítio. Quantos mais pratos e sabores conseguir provar melhor. Por exemplo, na Espanha onde havia muita variedade de comida eu ia muito mais em busca dos sabores asiáticos.
Qual o legume que mais gosta (de comer)?
Tirando os básicos como cebola etc., gosto muito da beterraba. Dá para fazer muitas preparações diferentes.
E para cozinhar, qual o legume indispensável?
Gosto muito dos pimentos, têm muita variedade. Há inúmeras formas de os fazer, diferentes formas de os cozinhar. Mas também entra nos legumes básicos, por isso, diria também a beterraba. A beterraba se for bem preparada é muito boa.
Muita gente acha que não gosta de legumes, mas na verdade só não os sabe preparar, dê algumas dicas e recomendações para tornar os legumes mais saborosos no dia-a-dia.
A maioria das pessoas apenas ferve os legumes, deita sal e azeite e já está. Há tanta coisa que se pode fazer com os vegetais!
Aqui no restaurante usamos uma técnica que dá para fazer em casa que, por exemplo, beterrabas, nabo, batata cozinhamos em sal. Assamos no forno, mas totalmente cobertos em sal, desta forma o vapor não consegue sair e fica tudo contido dentro do legume e fica mesmo muito bom! Os legumes ficam muito diferentes, a textura, o sabor, apenas absorvem o sal que precisam, não fica salgado e por dentro fica mesmo muito bom.
Para os temperos usamos muitos sabores asiáticos e molhos japoneses à base de sake, mirín, soja e óleo de sésamo, que combinam muito bem com os legumes mais neutros. Claro que sem exagerar se não já fica só a saber a outra coisa, mas usados na medida certa potenciam muito o sabor dos legumes. Isto além do tradicional, sal, pimenta, ervas aromáticas como tomilho, alecrim.