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17.05.2024

"É preciso acreditar, e fazer de tudo para lá chegar"

“É PRECISO ACREDITAR, E FAZER DE TUDO PARA LÁ CHEGAR”

 

Natural de Gardanne, França, Benoît Sinthon conta com um percurso impressionante no mundo da alta gastronomia. A paixão pela cozinha vem desde os seus tempos de infância, e remete para os bons aromas e sabores que o rodeavam ao crescer. Em 1994, muda-se para a ilha da Madeira, por amor, e acaba por encontrar o que vem a chamar de casa. Junta-se à equipa do Il Gallo d’Oro em 2004 e hoje, 20 anos depois, continua por cá.
Fique a conhecer a história do chefe Benoît Sinthon . ..

 

Como é que nasceu este amor pela gastronomia?
Para mim, sem dúvida que foi através da família. Tanto a minha avó, como a minha mãe e o meu tio, que tinha um restaurante, cozinhavam muito bem – por isso, entre as férias e os fins-de-semana que passava lá, sempre me habituei a ter bons cheiros em casa e boa comida na mesa.

Aos 17 anos, tirou o bacharelado de cozinha na escola profissional da hotelaria de Gap, nos Alpes franceses. Pode contar-nos um pouco sobre o seu percurso a partir desse momento?
A escola deu-me uma base muito boa para iniciar a minha carreira. O curso correu bem, gostei da escola e estava com um grupo muito bom, era uma mistura de bom ambiente e rigor na cozinha com os professores. A partir daí, fiquei com aquela paixão que me levou a querer entrar em restaurantes de renome para aprender com os melhores. Consequentemente, sempre trabalhei em restaurantes que tinham estrela Michelin, ou que estavam a trabalhar para isso, o que mais tarde me ajudou [no Il Gallo d’Oro] a conquistar a estrela, pois já sabia a “receita”.

A alta gastronomia é algo de grande prestígio em todo o mundo, mas especialmente em França. O que é que o fez mudar-se para Portugal e, em específico, para a Madeira?
Um belo encontro com a minha [agora] esposa Lara, que é madeirense e vivia, na altura, em França. Ela trabalhava na receção de um hotel onde eu trabalhava, e foi aí que nos conhecemos, em 1993. Depois, fizemos o contrato todo juntos lá em França. A ideia era ficar por lá, mas por questões familiares ela acabou por ter de regressar à Madeira, e eu disse “Olha, eu vou de férias contigo. Vou levar uns currículos e, se tiver oportunidade de ficar, fico, se não, depois logo se vê. O que eu sei é que quero estar contigo e, seja na Madeira ou em França, vamos encontrar um caminho para ficarmos juntos”.

É uma grande prova de amor, e não deve ter sido fácil mudar-se para um sítio tão diferente.
Sim, eu vinha de um sítio que tinha grandes vantagens. Tinha muitos restaurantes muito bons a uma distância de 1h30 da minha casa, e quando eu digo “muitos” eram à volta de 30 restaurantes Michelin. Mas pelo amor, e como estávamos tão bem juntos, vim para a Madeira e acabei por encontrar trabalho – fiz 2 meses na Quinta da Bela Vista, e logo a seguir fui para o Reid’s Palace, e do Reid’s voltei para França, e de França fui para o Savoy…

Então acabou por voltar a França?
Sim, é uma história engraçada. Quando eu estava a trabalhar no Reid’s Palace, um dos melhores chefes do mundo, Jean-Michel Lorain (que por acaso era francês), veio cozinhar connosco durante uma semana. Como o chefe de cozinha era austríaco e não falava francês, acabou por me deixar encarregue do evento com o tal chefe. Na altura cheguei a pensar “Uau, quem é que vem aí?”, e acabou por ser um chefe a quem eu já tinha deixado o meu currículo, mas que nunca obtive resposta… No final da semana, ele veio ter comigo e disse “Benoît, se quiseres trabalhar para mim eu arranjo-te um trabalho comigo lá [em França]”. Como ainda estava interessado em trabalhar com ele, aceitei, mas apenas se arranjasse também um trabalho para a minha esposa. E então lá fomos, os dois, e trabalhamos dois anos com ele em França, num dos melhores restaurantes do país e do mundo, com 3 estrelas Michelin. Foi uma experiência espetacular.

O que o fez regressar à Madeira?
Eu e a minha esposa, Lara, começamos a pensar onde gostaríamos de viver. Eu tinha-me desgastado muito naquele restaurante, entrei com 81kg e saí com 69kg do stress, do cansaço, da falta de folgas. Apesar de tudo, quando olho para o meu percurso até hoje, não me arrependo e sei que sem ter passado por esta experiência não seria o que sou hoje. Faz parte do percurso. Apesar de ter sido duro, fisicamente e mentalmente, foi também espetacular. Adorei, mas também chegou uma altura que, tanto eu como a Lara, decidimos ir embora para nos lembrarmos do bom que foi. É marcante, mas também ajuda a lidar com o stress e a pressão do dia-a-dia. Foi uma grande escola!
Depois disto, regresso à ilha e vou para o Savoy. Foi uma experiência muito boa porque fui diretamente como subchefe, e era uma grande estrutura. Eu estava encarregue do restaurante gourmet do hotel que, na altura, se chamava Flor de Lis, mas tinha de estar muito tempo na cozinha geral para orientar, ajudar e ser o braço direito do chefe. O chefe era uma pessoa muito organizada, e aprendi muito em termos de como liderar uma equipa.
A seguir, trabalhei para a Casa Velha do Palheiro durante 5 anos, até que o diretor, que mais tarde seria diretor do The Cliff Bay, me contactou porque precisavam de um novo chefe [no Cliff]. Na altura, disse “Isto interessa-me, porque para além de ser um grande hotel e de prestígio, tem o Il Gallo d’Oro, que penso que poderá vir a ganhar uma estrela Michelin”. Eu olhava para o Il Gallo d’Oro como um restaurante com muito potencial, e sempre disse que seria o primeiro chefe a ganhar uma estrela na Madeira, ao qual me respondiam “Benoît, tu és mesmo francês” (risos).

Qual a sensação quando, em 2008, o Il Gallo d’Oro ganha a sua primeira estrela?
Foi uma grande festa! Eu fui de viagem com o diretor e o chefe de sala do restaurante para festejar e, ao mesmo tempo, para o chefe de sala perceber o que era a alta gastronomia. Durante esta viagem, mal chegamos ao aeroporto, já estava o Diário de Notícias com as páginas sobre o Il Gallo d’Oro. O impacto foi incrível, e sem dúvida que mudou muitas mentalidades. De repente, havia um foco no Il Gallo d’Oro, algo que não estava previsto. Foi muito giro, e eu acho que toda a gente se juntou e percebeu a importância desta estrela, e pronto… fomos caminhando até onde estamos hoje.

E a segunda estrela, qual a sensação?
A primeira vai ser sempre a primeira. É a tal que dizemos “uau!”. Agora a Madeira tem a sua estrela, e vamos poder continuar a trabalhar, pois sabemos que a Michelin realmente vem cá para nos avaliar. A partir da primeira, para além de a querermos conservar, trabalhamos para, talvez um dia, ganharmos uma segunda. Quando a segunda veio, foi mágico. Foi incrível. Em Portugal, com uma estrela Michelin, fazes parte dos 30 melhores restaurantes do país. De repente, ao ganhar a segunda estrela, ficamos nos 4 melhores. Apesar de hoje já existirem mais em Portugal, continua a ser algo muito restrito e especial.

Considera que a sua forma de cozinhar mudou quando veio de França para a Madeira?
Sim, no sentido de não usar os mesmos ingredientes. A minha curiosidade foi logo perceber quais os melhores produtos na ilha – fiz a minha seleção, dei a volta à ilha toda, de Norte a Sul, a falar com agricultores, a ir às freguesias, a conhecer aquele senhor que mói o milho em São Jorge, a aprender a fazer o cuscuz em São Vicente, e a ir conhecendo os pequenos produtores.
Mais tarde, questionaram-me o que eu desejava dentro de PortoBay, e eu já sabia qual seria a minha resposta: uma horta. Porquê? Para conseguir legumes com a frescura que, na altura, não existia no Il Gallo d’Oro e que, por essa razão, era necessário importar. Mas a verdade é que não fazia sentido importar por questões de sustentabilidade. Isto passou-se em 2015/2016, antes de ganharmos a segunda estrela, e eu sabia que uma horta iria também ajudar-nos a atingir esse objetivo. Acabamos por ganhar a estrela em 2017, o que veio ajudar a credibilizar todo o conceito da horta.

Na edição de 2022, o Il Gallo d’Oro é premiado com a Estrela Verde do Guia Michelin, tornando-se, na altura, um dos dois restaurantes em Portugal com esta distinção. Esta estrela premeia atos sustentáveis na gastronomia – quais os fatores que considera essenciais para atingir este patamar e tornar-se um exemplo positivo em termos de sustentabilidade?
Sem dúvida que nós sabemos como está o planeta hoje – somos todos culpados disso, já há muitos anos. É importante que todos nós sejamos responsáveis neste aspeto: seja através da reciclagem, trabalhar os legumes e peixes da época, não importar tudo o que nos apetece... Se formos responsáveis, em tudo e mais alguma coisa, irá haver menos consumo. Além disso, para a nossa saúde é também algo essencial.
Numa altura em que toda a gente fala de sustentabilidade, acho que foi muito importante a criação da Estrela Verde. Esta estrela fez com que todos os chefes começassem a pensar em como a podiam ganhar – a nível de clientes, e não só, permite-nos dizer que somos chefes responsáveis. Se eu estou na Madeira, vou trabalhar a espada, a cavala, e todos os peixes que existem na ilha, em vez de comprar peixe de Portugal Continental, que vem de avião e nunca vai ser tão fresco como o peixe de cá. Outra coisa essencial é a horta: ao utilizar legumes da horta em vez de importar é-nos possível ajudar o planeta. Tudo isto parece uma gota de água, mas se toda a gente o fizer faz toda a diferença.
Com a pandemia, PortoBay acabou por fechar, e eu fiquei parado, sem fazer nada. Eu estava em casa a sentir que ia dar em louco, então comecei a andar de mota, a passear de bicicleta, mas sentia que tinha de fazer mais qualquer coisa. Acabei por telefonar ao fotógrafo Henrique Seruca e disse “Olha, Henrique, o jardineiro está a dizer que temos muitos legumes na horta – sabes o que vamos fazer? Vamos lá, apetece-me cozinhar, e vamos criar pratos com os ingredientes que estivermos. E vamos divulgar no YouTube”. Ele acompanhou-me, e acabamos por fazer algumas filmagens. Se havia muita couve-flor, eu fazia um prato com couve-flor. Como estava a publicar os vídeos no YouTube, a RTP Madeira descobriu, e ligaram-me a propor usarem os meus vídeos para um dos programas deles. Durante a pandemia, acabaram por fazer uns 15 programas sobre mim a cozinhar na horta. Para além disso, eu publicava também no meu Instagram, e o Guia Michelin costumava gostar das minhas publicações. Quando cheguei à Gala, um dos meus amigos chefes disse-me que eu ia ganhar uma Estrela Verde. Eu entrei, para ver o palco, e estavam a mostrar o que os chefes fizeram durante a pandemia – e apareciam os meus vídeos a cozinhar. Meia hora depois, o evento começa, e aparece no ecrã “Il Gallo d’Oro, Benoît Sinthon, Estrela Verde”. Uau! Eu olhei para o nosso diretor, António Pais, que estava comigo, e abraçamo-nos, super contentes. Nós, até hoje, somos o único restaurante no país com 2 estrelas Michelin a ganhar a Estrela Verde. É fantástico, e valoriza muito a nossa horta.

Estas distinções resultam de muito trabalho, esforço, e dedicação, não só por parte do Chefe, mas por todos os membros da equipa do restaurante. De que forma é que a sua equipa (desde cozinheiros, à equipa de sala) impacta o seu trabalho?
Têm um impacto imenso, fundamental. Se falarmos de um projeto como o Il Gallo d’Oro, eu sozinho não posso fazer nada. Tenho de estar envolvido com uma equipa – grande parte escolhida por mim. No que toca à sala, é importante que haja alguém que perceba o projeto e a responsabilidade de ter duas estrelas Michelin, e que esteja pronto para arregaçar as mangas todos os dias. No Il Gallo d’Oro, todos os dias temos de ser perfeitos. E para sermos perfeitos, precisamos de uma equipa bem formada, pois eles é que estão à frente do cliente todos os dias. Têm de conhecer os menus, os produtos, a loiça… o cliente, a qualquer momento, pode fazer uma pergunta, e nós temos de saber responder. Não podemos dizer “não sei”. É por isso que temos de ter o melhor chefe de sala possível, o melhor sommelier possível, os melhores cozinheiros possíveis, a melhor hostess possível. Toda a gente tem de pesquisar muito em casa. Eu sou mentor, mas se não tiver uma equipa para me acompanhar no dia-a-dia não consigo fazer nada. Todos os dias temos briefing… Ninguém imagina, penso eu, o que representa o trabalho dos funcionários do Il Gallo d’Oro, bem como de todos os nossos outros restaurantes. É preciso sempre haver equipas unidas, formadas, e que gostam realmente do que fazem.

Para além do Il Galo d’Oro, lidera a Academia Gastronómica PortoBay – como é que tem sido este percurso e quais os grandes desafios de um projeto como este?
A Academia é um projeto que nasceu de uma necessidade de agarrar colaboradores nossos (na área da restauração) que sabemos que se envolvem muito nos projetos e acreditamos que podem crescer connosco, e dar-lhes muita formação. Eles passam connosco no The Cliff Bay, no Il Gallo d’Oro, no Avista, na pastelaria, e em tantos outros sítios, com o objetivo de crescerem e entenderem qual a identidade gastronómica de PortoBay, para mais tarde se tornarem chefes nossos. É o caso do Afonso no Horta, do João Luz no Avista, do Rui Pinto no Avista Ásia, do Élio e do Brígido no Rose Garden, do António Nascimento no Porto Santa Maria, do Jorge Faria no Il Gallo d’Oro, do Pedro Spínola no PortoBay Flores, da Irene na Academia de pastelaria, do Mauro no Bistrô4… Todos eles trabalharam comigo durante muitos anos, até estarem prontos para chefiar ou subchefiar um projeto nosso. No caso do Il Basilico, por exemplo, o mesmo só existia na ilha da Madeira – depois da criação da Academia, foi-nos possível levar o conceito e a nossa identidade para fora através dos nossos embaixadores, ou seja, dos nossos cozinheiros que trabalharam connosco tanto no Vila Porto Mare, como no The Cliff Bay.

Já são muitos anos de casa e acredito que tenha muitas histórias para contar. Como é que tem sido esse percurso até hoje? Se tivesse de escolher um momento marcante destes últimos 20 anos, qual seria?
2004 marca a minha chegada ao The Cliff Bay, e em 2006 um primeiro prémio que me fez acreditar que estávamos no caminho certo. Só tinha dois anos de casa, e o Il Gallo d’Oro foi destacado restaurante do ano – a partir daqui, deu-me apenas mais vontade para trabalhar e ir mais longe. Em 2008, ganhamos a primeira estrela. Depois, 2017 a segunda. Em 2022, a Estrela Verde.
A pandemia marcou-me, pois foi algo inesperado. Não me deixei ir abaixo, e começamos logo a cozinhar para o futuro, quando o restaurante reabrisse. Como estávamos com os hotéis fechados, aproveitamos para renovar o Il Gallo d’Oro. Acho que PortoBay reagiu muito bem à pandemia – ficamos assustados, mas houve uma atitude de “vamos melhorar”. Depois, a abertura do Avista em 2019 foi inesquecível para mim. Também a abertura do Horta, em 2023, foi muito especial. E agora, quando o nosso sommelier, Leonel Nunes, ganha o melhor Sommelier do Ano na Gala Michelin, estava quase a chorar com ele! A sério. É algo incrível, e algo que quero realçar é que eu tenho a grande sorte de trabalhar com pessoas como o Leonel e o André Pinto, o nosso chefe de sala, que é uma pessoa incrível, muito trabalhador e apaixonado. Com o conceito do restaurante, é preciso existir rigidez, rigor e formação. É graças a esses fatores que a sala também é reconhecida com prémios – já fomos Melhor Sommelier, já fomos Melhor Garrafeira do Ano, já fomos Melhor Serviço do Vinho… e isso é o resultado do trabalho do André e do Leonel, não é do meu.

No Il Gallo d’Oro, os produtos locais madeirenses são extremamente valorizados. Nos seus tempos livres, qual o prato típico madeirense que mais aprecia?
A espetada, seja em casa ou num restaurante. Adoro também a espada, a cebolada, a caldeirada, e adoro fazer em casa um peixe no forno.

Em casa, cozinha tão arrojadamente como no seu trabalho?
Ao fim-de-semana sim, durante a semana não. Ao fim-de-semana costumo cozinhar para a minha mulher e para a minha família, nem que seja ou ao almoço ou ao jantar. É algo simples, mas saboroso. Quando estamos à mesa, é para passar um bom momento, abrir uma boa garrafa de vinho, conversar com a família… com a minha esposa, com as minhas filhas.

Se pudesse dar um conselho a todos aqueles que ambicionam seguir os seus passos e trabalhar em alta-cozinha, o que lhes diria?
Acreditar em si, e ir à procura do seu sonho. Acho que é importante, porque só nós sabemos o que somos capazes de investir, a nível de esforço e não só. É preciso acreditar, e fazer de tudo para lá chegar.

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